terça-feira, 30 de março de 2010

A vida no prédio

Morar em apartamento tem suas vantagens e, lógico, desvantagens. Mas quero falar aqui dos múltiplos personagens que existem, separados apenas, por finas paredes, o teto e o chão. São consciências com gostos e desgostos. No calar do dia, quando a noite avança de mansinho, é o melhor horário para observar o movimento.
Esticada na beira da piscina escuto uma criança chorar no primeiro andar: é hora do banho. Alguns andares mais pra cima, alguém se exercita no sax. Som muito agradável. Ele embala a lua cheia e as estrelas mais ousadas. Um carro chega na garagem, conversa animada. No salão de festas, as babas estão reunidas para o lanche e fofocas. Enquanto umas oito crianças eufóricas correm em volta do prédio. Até que os maiores se escondem perto da churrasqueira, do menino mais novo. E riem a cada volta que o pitutuco dá, na tentativa desesperada de encontrá-los. Logo, passa a dona do labrador mais lindo, de olhos castanho-claro e hiperativos. As crianças sobem, logo mais seus pais estarão em casa e as babas terão o descanso merecido. E os pais começarão o terceiro turno.
Senti cheiro de carne de panela, pão com queijo derretido e fumaça de cigarro. As televisões estão ligadas, dá pra ver a luz ligeiramente azulada escapando pelas janelas. Algum tempo se passa, e eu sonhando ao som do sax, viajo para outra galaxia. E quando vejo, o prédio silenciou. Hora de se recolher. É noite.
Aí vêm as reuniões, os encontros religiosos, as plenárias, votação para síndico, etc. Pois é aí que começam os desgostos. Esse mês estamos em pé de guerra. A nova síndica e seu marido tomaram providências sem pedir opinião de ninguém, déspotas absolutos. O que vocês acham que aconteceu? GUERRA! Está uma loucura. Ainda não chegamos ao judiciário, mas está bem perto. Eu, que nunca participo destas coisas, ontem fui ver o que estava acontecendo, pura curiosidade jornalística. Anularam a reunião da comissão, com ameaças judiciais. Próxima segunda vai ter a reunião da síndica e acabaram escalando a da comissão pro mesmo dia. Eu quero só ver o circo pegar fogo. São muitas revoltas. Muito egos. Muita coisa. Morar em prédio é uma delícia. Só falta um jardim com horta, privacidade e entendimento geral. Sempre tem uma laranja podre ou um encrenqueiro. Mas isso acontece também com vizinhos de casa, não?
O que mais gosto num prédio é a praticidade e a segurança. E ver tudo do alto. E só.


segunda-feira, 29 de março de 2010

Inferno zodiacal

Quero ficar quieta, lendo um livro.
Me esquecer naquelas páginas,
me ver na pele dos personagens de ficção que ali estão escancarados.
Conhecendo aqueles mundos estranhos e terríveis do fantástico,
aquelas psicóses inimagináveis, grandes saltos de humor, e visões impressionantes.
Vejo minhas angústias menores.
Mas e aí?
Acabaram-se os contos, e ao fechar o livro me espanto com a normalidade em volta.
As mesmas marteladas da construção, o mesmo barulho de carros que passam na rua, o mesmo calor implacável, o ventilador sempre ligado, as pessoas irresponsáveis e desleixadas, tudo sempre igual.
Nada muda ali fora; mas aqui dentro é turbilhão.

domingo, 14 de março de 2010

La recherche du bonheur

Uma gota d'água no oceano, um grão de areia no deserto. Meio lugar-comum, de fato. Mas é isso o que somos mesmo: quase nada. Mas desse nada, podemos tirar grande proveito. Vivemos intensamente a vida que escolhemos. Intenso, não sei, vai de cada um e do momento. Mas quando a intensidade se achega...

Não vou dizer aqui que é fácil aceitar, nem que ela é uma constante, mas é certo que por períodos algo forte acontece. E isso é muito bom. Saímos da mesmice dos dias. Basta estar atento e enxergar os sinais. Tatuagem na alma que não te deixa fugir do óbvio. Contudo, protelar sempre é possível, e provável, para pessoas assim como eu, que aprendemos com o tempo a ter mais paciência, parcimônia e discernimento. Sentir-se bem com suas escolhas é realidade. Aqueles que não conseguem ver além da névoa imposta, vivem um pouco menos, do que aqueles que querem sair da zona de conforto e afastar a cortina.

Seria isso felicidade? Essa busca incansável pelo conhecimento, pelas realizações, pelo amor que a vida nos proporciona. La recherche du bonheur é o que nos mantém atentos aos acontecimentos. Tenho pra mim que quem busca isso nunca pára no lugar. Seria uma busca incessante em diversos campos da existência? Sentir-se completo em todos setores da felicidade, nem que por um segundo, é o difícil do negócio. Mesmo assim, cuidado ao virar as páginas muito rapidamente. Pode passar batido alguma coisa importante. Calma, reflita. Quem sabe você está no caminho certo, visto que você se sente bem e feliz.

"Lembre-se sempre de si mesmo".




terça-feira, 9 de março de 2010

Convite ao desejo



Palavrinha pra lá de interessante, entusiasmada por sei lá o quê que vem das entranhas, as vezes em forma de frisson causada por aquele aperto. Outras vem da nossa cabecinha imaginativa. Hum... que desejo. É só a carne? Ou tem um quê de psiquê? Como é bom desejar. E ser desajada é melhor ainda. Vem cá meu bem. Quero você aqui e agora. Não sei. A razão pede pra esperar. Se controla meu!
Mas chega uma hora que não dá mais pra segurar aquela vontade louca de fumar um cigarro, de comer uma barra inteira de chocolate meio amargo, de se jogar de uma ponte dentro de águas claras, de se entregar inteiramente ao desejo de ser mais do que se é vivendo simplesmente.
Quero mais, sempre quero mais. Mas com o desejo vem o medo de se chegar à um lugar onde desejo já não exista mais. Medo. Medo de tudo, do nada, de viver intensamente. E o depois? Necessidade de saber o que vem depois. (In)Segurança.
Desejar e se deixar satisfazer é um passo além daquilo que se conhece por controle. Muitos defendem que não controlamos nada, absolutamente nada. Mas é difícil aceitar isso. A cabeça diz que sim, que controlamos. Mas corpo e alma às vezes mostram que não. Chega um momento crucial, no qual o controle escorre por entre nossos dedos, e seja o que Deus quiser. Uso Deus aqui como simples frase de impacto. Porque a verdade é: seja o que a gente quiser. Ou consequência daquela coisa contida que quer explodir há muito tempo, que já não consegue mais se segurar, como fogos de artifício num céu de réveillon. É meia noite e o céu se ilumina numa explosão de cores e alegria.
Desejo? Até certo ponto ele é estável, controlável. Muito mais intenso é quando essa fase passa, e entra-se naquela do vem aqui agora. Prazer momentâneo, e muitas vezes finito. Mas só experimentando para se chegar ao gozo de todos os sentidos. Vale a pena? Oui, je pense!