domingo, 30 de setembro de 2012

Novo mundo colorido

Ela sentia-se, naquela manhã de quinta, estranhamente atraída pelo ator. O mundo artístico sempre a encantou, nunca sentiu-se inteiramente parte dele, mas sempre gostou de ali estar de alguma forma. Não sabia muito bem o que era, misto de curiosidade e engano. Obssessiva, pensa nele, para não pensar no fim do mundo.

A vida coloriu-se com esse novo mundo que se apresentou diante dela; já faz um ano que se cruzam nos corredores da biblioteca, mas foi depois de começarem a fazer um trabalho juntos que ela o percebeu. Um mundo alegre, risonho, estressado e falante que chegou chegando, sem saber que mexeria com a imaginação dela. Quem poderia imaginar: ela sempre na dela, séria e calada. Pensou-se até que era antipática, grosseira. A cada encontro, foram se aproximando. A vontade de tocá-lo a surpreendeu. Apenas roçar-lhe o braço, tocar suas costas num gesto de amizade, olhar nos seus olhos, rir de suas piadas. Nos dias que não se vêem, imagina o que ele faz. Será que pensa nela? O tempo corre e não pensamos em nada além de nossas vidas miudas. São tantos afazeres e nos envolvemos sempre mais.

Olharam-se, caminhavam lado a lado num corredor ilumidado pelo sol da tarde, tentou beijá-la. Ela afastou-se, encabulada. Que ousado! riu seu pensamento. Gosta do jogo da sedução, gosta de flertar, é uma brincadeira saudável. A paquera a alimenta de forma tal que se sente criança. Seu problema é quando a relação se estabiliza: ela enjoa. Num enfado monumental, quer fugir a qualquer preço e busca loucamente uma falha de carater ou de atitude para pular fora. Nem sempre consegue simplesmente sair da relação porque não quer mais. Sofre um pouco e deplora o tempo perdido. A fase da conquista é a melhor para ela. Se ao menos alguém conseguisse manter nela essa energia sempre acesa, não cansaria nunca. O grande problema está na entrega. Quando o faz, sente-se automaticamente atrelada ao sujeito como se fosse para sempre. Acorrenta-se. É uma auto-prisão. E então, queda livre; tédio e angústia até mandar tudo pelos ares. 

Teria ela algum problema psicológico? As vezes pensa em ter relacionamentos leves e livres, sem cobranças, com vários caras. Ir experimentando como certas amigas fazem. Pura diversão e prazer. Porém, quando encontra alguém por quem se interesse, aposta todas as fichas acreditando que dessa vez achou o tal, e algum tempo depois, vê que se enganou (como não?) Frustra-se. Busca, incansável, uma forma de melhorar essa dualidade que a mantém só durante a maior parte de sua vida.

Passou uma noite tranquila. Almoçou italiano e tomou quase uma garrafa de chardonnay californiano. Pensou nele. Estava tudo delicioso. Entorpecida e alegre, fumou um cigarrinho pra encerrar a refeição copiosa. Divagações passaram pela sua cabeça. Correu para a frente do computador e entrou na página de relações para olhar a vida alheia. É para isso que servem essas páginas, não? Sente uma vontade louca de  dançar. Liga o rádio e coloca um sambinha animado. Pisoteia o chão de sua sala, gira em torno de seu eixo, ri sozinha. Amanhã quero sair. Sente que a vida voltou depois de uma semana de baixo astral.
Uma nova história a anima: acaba de sair de um relacionamento longo. Passou pelo menos dois meses para conseguir realmente desfazer as amarras e agora se sente leve e com vontade de embarcar em novas histórias, conhecer pessoas, dançar. Alegrias e aventuras é o que quer. Amor, desejo, tesão: tudo num prato só.

De tarde foi para a aula de cinema. O professor a encanta pela sua calma, timidez e modo pausado de falar. Ela o deseja. Pena que o vê somente uma vez por semana. As conversas que têm são sempre boas e deixam aquela sensação de que ainda há muito mais a dizer. Quando ele se despede, sai tão rápido que mal dá pra responder o até logo. Ela não entende: ele parece interessado, mas tem horas que ela realmente não sabe: ele é distante, e não fica perto dela nos intervalos. Pode ser discrição... Sorri pensando na tarde com o professor.

Voltando para casa viu a lua nascer atrás das dunas verdejantes. Linda! O céu cor de rosa e o verde da mata contrastando. Entusiasmou-se: Vou sair, ver gente, conversar e rir. Ainda tentou se segurar, ficar em casa seria mais prudente. Mas que nada. Fez uma ligação, passou a mão na bolsa e saiu. Foi no aniversário de um boêmio. Tomou copos de cerveja e fumou cigarros. A conversa estava boa. Atenta, escuta o pessoal mais experiente do que ela. Tocou uma música de anos atrás que adora. Ela se levantou para dançar: viva a juventude! gritou o aniversariante. A festa acabou cedo. Dispensou a carona, preferiu voltar a pé. Andando pra casa, alegre, meio arrependida dos cigarros (vício maldito que nunca sairá de mim?), conversa com a lua, que já vai alta no céu marinho.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Meu dia

A Internet é uma ferramenta assustadora. Conseguiu me manter 5h ligada em mil assuntos, sem parar. Quando cansava de um passava pra outro e assim ao longo dessas horas... Li sobre guerra, principalmente sobre o Iraque, poxa, preciso entender o que se passa por trás dessa história. Li o Globo, a Folha, London Times , New York Times, Le Temps, Le Monde, e parei. Teve uma ou outra coisa que mudou, mas no geral fiquei na mesma, sem entender nada. Continuo achando que os States invadiram o Iraque para controlar o petróleo. O ruim é provar. Quantas pessoas já não falaram sobre isso? Mas eles continuam lá, impunes, e já estão de olho na bacia de Santos, podem apostar. Enfim, depois de muito ler sobre isso, já desgastada com a história dessa guerra, resolvi procurar instituições que protegem o meio ambiente, e principalmente os animais. Por acaso achei um link num desses jornais que estava lendo. Não me lembro o nome da instituição... Sei que eles protegem os animais selvagens. Ah, foi no Le Monde, tinha uma matéria legal falando que não adianta mais apenas deixarmos os animais selvagens viverem livres. O aumento demográfico da humanidade cresce tanto que temos que criar reservas para proteger os bichos, senão o homem vai acabar derrubando tudo pra caber no mundo. É, realmente o planeta tá ficando pequeno. E como o homem é egoista e ganancioso, antes ele que os bichos e a natureza. Um horror. Vi várias fotos de bichos, tinha uma pintada linda e ameaçada de extinção! Programas de estudos sobre impactos ambietais, o degelo dos polos, o que vai ser dos ursos brancos? Até mandei um email para o relações públicas desse centro, ai qual o nome mesmo? perguntando se existe possibilidade de trabalhar pra eles aqui no Brasil. Disse: "sou jornalista e amo os animais acima de tudo". É uma grande verdade, prefiro bicho a gente. Depois de fuçar bastante, lembrei que precisava fazer uma pauta sobre desenvolvimento regional pro Gazeta Comunitária. Pesquisei um pouco no site do Governo do RN e logo me veio a idéia de falar sobre turismo, o Bê reclamou ontem que ninguém fala de turismo, então vou falar, e melhor ainda, turismo de aventura e ecológico! Tem coisa melhor? Espero que a pauta seja aceita! Terminei de escrever agora pouco. Agora estou no meu momento Blog!

domingo, 15 de julho de 2012

O jeito gato de ser

Gatos são criaturas espetaculares, mistériosas e interessantes. Se um gato te escolhe como 'dono', pra sempre te será fiel. Gosta de você do jeito dele e não adianta querer que ele responda toda vez ao seu chamado, tem horas que ele realmente não está a fim. Mas naqueles dias em que você chega em casa chateado, triste ou choroso, ele fica por perto, roça na sua perna, te olha nos olhos, isso quando não sobe no seu colo e ronrona, mostrando o quanto você é importante e amado. Ele te dá carinho e amor à sua moda. São companheiros, e não grudentos. Gostam de estar perto, mantendo mesmo assim sua independência e individualidade.


Observam seus gestos, compreendem seu humor e as vezes te provocam pra provar que ainda está vivo. E depois, soneca. Como dormem! São lindos em seu sono, e quando seguros, se 'abandonam' sem medo. Tem uns que adoram cochilar em colos, em almofadas macias, camas cheirosas, ou encostados em alguém, por causa do quentinho, e pra ganhar cafuné, lógico. Que gato não gosta de cafuné? São verdadeiros em seu amor, e querem retribuição. Contudo, se alguém os maltrata, botam as garras pra fora, rosnam e mostram os dentes; se deu, prepare-se pra levar! Depois vão embora em busca de um outro lugar, sem olhar pra trás. Tem uns tímidos, outros mais atrevidos, mas são sempre doces e fiéis aos seus instintos. As vezes te trazem um bichinho que caçaram, como um presente, para retribuir à 'casa, comida e roupa lavada'. Enquanto vc pega aquele bicho com pena ou nojo, ele volta orgulhoso para a sua almofada, o retorno ao sono dos justos.



"A vida e amor ao lado do pior cão do mundo"

Ontem assisti o filme Marley e Eu, baseado no livro de mesmo nome. Logo de cara já sabia que seria um filme água com açúcar, sobre família e o amor aos animais domésticos. A história começa com um labrador cor champanhe correndo e logo atrás seu dono, desesperado. A narrativa volta 4 anos, quando ele, John Grogan se casou com Jenny, numa cidade fria dos Estados Unidos. Logo se mudam para a Flórida, em busca de calor e trabalho, ambos são jornalistas. Logo se adaptam àquela nova rotina e a esposa quer um filho. Ele, inseguro, resolve lhe dar um animalzinho de estimação, antes dessa empreitada mais difícil. Eles compram Marley em uma fazenda de adoção de bichos abandonados e ele, por ser elétrico, estava em promoção.
O desenrolar da história mostra a formação convencional de uma família. Desde o primeiro bichinho, o primeiro filho, o segundo, os sonhos deixados de lado pelos pais, por causa da nova situação, e Marley sempre presente, comendo tudo que podia. A muher deixa seu emprego bem sucedido em um grande jornal, para se tornar dona de casa e cuidar dos filhos. Não queria ser aquelas mães que só vêem os filhos 1h por noite. O marido, recebe aumento e se torna colunista de um jornal menor, e a vida segue naturalmente. Brigas, depressão pós-parto, reconsiliação, sacrifícios, mais uma filha. Se mudam pra outra cidade, onde ele conseguiu um emprego de repórter. Apesar disso sempre ter sido seu sonho, sente falta de suas colunas diárias, nas quais ele fala de sua vida, impressões e Marley.
A história conta a vida do cachorro. Desde pequeno, quando é adotado, até a morte. E posso dizer que nos últimos 15 minutos do filme, as lágrimas rolaram soltas. Quando o cachorro vai ficando fraco, as pernas endurecidas, paradão. Lembrei do Conan. Foi mais ou menos a mesma história...
Meus pais adotaram ele quando eu ainda era bebê. Cresci com ele, a Chiquita, depois veio a Iris e a Lola. Mas o Conan, sei lá, ele foi o queridão do meu pai. Foi treinado, sentava, dava a pata, fingia de morto e protegia a casa e a família e era muito carinhoso. Viveu uns 13 anos. Velhinho, as patas traseiras já não obedeciam mais e seu olhar sempre alegre, foi ficando triste e vazio. Como no filme, tivemos que sacrficá-lo. Foi triste. E chorei. Mas não chorei só, o cinema todo estava aos prantos, certas pessoas até soluçavam. Depois da sessão, estávamos todos de olhos inchados, e uma menina me disse: "esse filme não dá pra ver no cinema! Olha só o nosso estado...". Foi interessante e me lembrou a história da minha família, nos distantes anos de São Paulo. Senti saudade.

sábado, 30 de junho de 2012

"On ne trouve pas la solitude, on l'a fait" M.D.

O título desta postagem é uma frase que li nas pesquisas que tenho feito sobre Marguerite Duras. Escolhi três obras da escritora francesa para objeto de dissertação de mestrado. Ela diz que a gente não encontra a solidão, e sim, que a fazemos. Escolhemos estar só, assim entendo. E devo concordar. Ninguém fica sozinho por astúcia do destino. Estamos sós porque queremos estar sós. O professor de teorias críticas disse outra coisa bem óbvia, mas que me deixou com a pulga atrás do orelha: estudamos aquilo com o que nos identificamos. Na hora me surpreendi: por que escolhi Marguerite Duras entre tantos outros escritores, épocas, países que me agradam muito mais do que ela? Talvez porque ela não afague, mas rasgue. Eu gosto de estudar assuntos que me ultrapassam. Num estudo anterior comparei o trabalho de jornalistas em tempos de guerra. Assustador. Essa frase de efeito veio pra me acalentar, chacoalhando. Pensei nela, e entendi que eu quase sempre preferi estar só a estar mal acompanhada. Na maioria das vezes não porque as pessoas são más ou entediantes. Muito mais porque eu prefiro estar livre de qualquer amarra pra fazer as coisas que me agradam, que me fazem bem, com seres que façam bem também. Hoje quero ler, amanhã sair. Depois de amanhã estudar e ensinar e na semana seguinte dançar. Seguir meu caminho. Desde pouco entendi que cada pessoa trilha o seu e os relacionamentos são caminhos que se cruzam, andam lado a lado, algumas vezes por semanas, outras por anos e ainda para sempre. O triste é trilhar um caminho que não é seu, submisso à lei do mercado. Case agora ou fique só para sempre. De repente, o só para sempre não me assusta mais. É tão bom estar só tendo consciência que muitos caminhos vão cruzar o meu e eu vou assim seguindo em frente, veemente.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Querer a morte

Eu gosto tanto da vida, que quando escuto alguém dizer que quer morrer, começo a chorar descontroladamente. O pior é que hoje duas pessoas bem íntimas me disseram isso: Quero morrer! Que droga. Fico chateada, e depois de chorar lágrimas pequenas, parei pra pensar, pô, se essas pessoas querem morrer, que morram! Depois, horrizada com meu pensamento radical, tentei entender: são pessoas talvez com pouca maleabilidade, sem senso de adaptação, acredito que ambas devido a idade e educação. Eu já pensei em morrer, mas foi em tempos remotos, com o coração partido, era mais um final dramático de um romance de férias. Mas morrer para fugir da vida, dos problemas, das dificuldades não; não é isso que faz a vida mais rica, bonita e aguça nossa criatividade?
Pois bem, depois de aqui começar a colocar meus pensamentos, fiquei mais tranquila. Cada um que cuide de seus dragões. Eu faço o que posso pra ajudar, mas não me venham acanalhar o dia, que já começou meio nublado, mas que depois do balde de água fria, aí que eu tive mais vontade de viver, de acontecer, de lutar. Beijo e boa semana!

sábado, 3 de março de 2012

Bomba?!

Para uma amiga

Tempo de partida.
Pra longe, por amor.
Deixo tudo, menos meus livros, meus vestidos e minha dor.
De coração partido, parto, mas alegro-me em saber que lá me espera o amor.
Tenho medo.
Mas a coragem é maior e a vontade de estar com ele é imensa, intensa.
Ele me espera. Me quer perto dele, para sempre.
Para sempre...
Sempre é vago, nublado, escuro.
Quebrei um candelabro de vidro agora pouco.
Foi nervoso, que novidade maluca.
Bombástica, me disse.
Realmente.
Meus pés estão no chão, mais firmes do que nunca.
Não sei o que faria se tivesse que deixar meus bichos para trás.
Quero assumi-los até o fim. E os filhos?
Kalil Gibran diz que os filhos criamos para o mundo.
Entenderão eles minhas razões? Minha paixão? Meu fundo?
Julgamentos não faltaram nem faltarão.
Mas eu preciso ouví-los, saber o que os outros pensam, busco apoio, mas só recebo nãos!
E isso me dá força: quanto mais nãos eu ouvir, mais forte vou ficar.
Quero casar de verdade, de papel passado, com homem ajoelhado fazendo pedido romântico.
Poemas, palavras, gozo animal. Isso eu não posso aqui e tenha lá.
Vou embora. Adeus vida antiga. Mas eu volto, daqui um ano, com um pai pra minha filha.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Nem tudo que parece, é...

Estive pensando esses últimos meses em como costumo enganar-me. Enxergo aquilo que quero, pinto uma pessoa nas minhas cores favoritas e assim que ela mostra suas garras horrorosas, minha vontade é sair correndo, gritando de raiva, de medo. Raiva de mim e medo da pessoa. Por que prefiro me iludir a encarar a verdade? Porque a verdade dói, dirá um ditado popular. Mas não é melhor doer agora?
Pensei também nas aparências. As pessoas parecem ser tão fortes e seguras e certas de tudo que estão fazendo; por que eu sou este caos? Mas esse é apenas um pensamento desesperado, ninguém é tão perfeito assim. Diz outro ditado: não queira estar na pele de outra pessoa, você não sabe como é o seu dia. Todo mundo tem medo?
Desde agosto do ano passado tenho passado por experiências que me mostram que vale menos a embalagem do que o conteúdo. Parece óbvio, será? Me explico: as aparências seriam a embalagem das pessoas ou a cobertura das situações; seria interessante olhar para dentro delas, ou seja, abrir o embrulho, aceitar o presente ou ignorá-lo. As pessoas não mudam, a menos que esta seja a vontade delas. Consguimos sim mudar certas atitudes, certos vícios, mas a essência não muda, o nosso âmago será sempre este, indefinidamente. Ou aceita, ou muda de calçada.
Meu primeiro encontro com este tipo de pensamento se deu quando vi um casal apaixonado, de você ficar feliz só de ver aquelas pessoas se amando, sabe como é? Pois bem, este lindo amor foi interrompido pela distância e em seguida por um suicídio. Desencanei de tentar entender, me confortei com: nem sempre é o que parece...
Continuei vivendo minha própria paixão, com seus altos e baixos, até que um dia, uma esposa me conta que a ativida de lazer de seu marido é, nada mais nada menos do que matar animais. Pardon? Sim, ele viaja o mundo em busca de uma zebra, de um urso, de um veado, entre outros animais para matá-los, como esporte! Quando eles estão em Pipa e um timbu atravessa o quintal bang! Ela convive com isso porque o ama, mas horrorizada, tentando ver o lado bom disso: conhece muitos lugares bonitos e só tem que tapar os ouvidos na hora do tiro e esconder as peles no armário. E eu achando que o futebol de domingo era um problema.
Depois veio o ataque cardiaco do seu José. Na minha visão, ele era um velhinho direito, que comia bem, cuidava do corpo, da alma, do espírito. Sempre enxerguei ele como ser superior, pleno de conhecimento e atitude exemplar. Pensei que fosse vegetariano, que praticava caminhadas, que comia de maneira saudável; e não é que descobri hoje que ele come de tudo, que se salvou por pouco de veias entupidas e confessou-me no leito da enfermaria, diante da minha perplexidade, que eu enganara-me, que ele era como todos nós, humano.
Por um lado escondo meus defeitos e por outro coloco um tapaolho pra só enxergar nos outros o que me agrada, vivo um fantasia. Vai ver é por isso que a vida é tão complicada, relacionamentos não dão certo, pessoas estão cada vez mais estressadas. Aceitar o outro, e principalmente se aceitar, como é, nu e cru, é uma das coisas mais difíceis que existem. Talvez seja este o processo de desenvolviemento, o da aceita-ação.
E logo leio isso por acaso, em Memórias Póstumas de Brás Cubas:

"[...] advirta que a franqueza é a primeira virtude de um defunto. Na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência; e o melhor da obrigação é quando, à força de embaçar os outros, embaça-se um homem a si mesmo, porque em tal caso poupa-se o vexame, que é uma sensação penosa, e a hipocrisia, que é um vício hediondo. Mas, na morte, que diferença! Que desabafo! Que liberdade! Como a gente pode sacudir fora a capa, deitar ao fosso lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar lisamente o que foi e o que deixou de ser!" (Machado de Assis, 1881).